Este discurso reforçado pelo quadro teórico oitocentista de Paul Broca, inteiramente dominado pelos valores mensuráveis da estrutura somática, dos ossos à espessura dos cabelos, encontrou em Oliveira Martins um vigoroso defensor: “abundam os documentos que nos mostram no negro um tipo antropológicamente inferior, não raro próximo do antropoide, e bem pouco digno do nome de homem”, acrescentando que “se não há relações entre a anatomia do crânio e a capacidade intelectual e moral, porque há-de parar a filantropia do negro? Por que não há-de ensinar-se a Bíblia ao gorila ou ao orango, que, nem por não terem fala deixam de ter ouvidos, e hão-de entender quase tanto como entende o preto, a metafísica da encarnação do Verbo e o dogma da Trindade? (Portugal em África…[1891],1953, 261-263).
O recurso à antropologia física restringia, assim, o alcance eficaz do olhar lançado sobre o Outro. Reduzido à condição de grande macaco, o africano era expulso das considerações relativas aos valores humanos. A sua vida escoava-se, por isso, sem marcas históricas, o «selvagem» do hoje colonial sendo a exacta reprodução do «selvagem» dos tempos imemoriais. Como acreditar na possibilidade de organizar uma qualquer explicação científica, uma vez que o continente, que não conhecia a escrita – a não ser na sua margem norte de onde o grande Egipto já fora ‘retirado’ para integrar o espaço da história universal –, parecia povoado por uma selvajaria extrema que englobava homens, animais e naturezas?
Para levar a cabo a tarefa da produção do conhecimento, era necessário que a fronteira que separava os «selvagens» dos «civilizados» dispusesse de uma base científica que só os especialistas da antropologia física, podiam fornecer. As propostas de Oliveira Martins transformaram-se no credo antropológico da intelectualidade portuguesa que desencadeou uma reflexão sistemática chamando a atenção para a necessidade urgente de promover o estudo, o ensino e o conhecimento das colónias, capaz de introduzir racionalidade na política e garantir os interesses nacionais em África, o espaço que dava consistência e dimensão ao império português. Neste contexto, para levar a cabo esta tarefa, surgiu em finais de 1875 a Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL). Jaime Batalha Reis, Andrade Corvo e Luciano Cordeiro constituíam o núcleo estruturante da SGL, este último vindo a propôr a criação de uma Escola Colonial em Lisboa, assim designada em 1906, destinada à formação de quadros superiores especializados para assegurar uma administração racional das colónias.