Esta situação que não pode ser escamoteada, põe em evidência a necessidade de autonomizar geográfica e culturalmente os estudos relativos à dominação colonial, para compreender as linhas estruturantes do colonialismo, as suas formas de actuação e de consolidação de hierarquias teóricas e metodológicas que caracterizaram a fabricação da historiografia ultramarina portuguesa.
Se as últimas décadas do século XIX foram marcadas por inovações na escrita da história de Portugal, traduzindo a interferência das principais linhas de pensamento europeias nas leituras de historiadores como Alexandre Herculano, Teófilo Braga, Oliveira Martins, foi no século XX que a consolidação da historiografia dos descobrimentos e da expansão portuguesa se verificou, recorrendo à investigação e à publicação de textos destinados à glorificação do projecto colonial.
Jaime Cortesão, cujos ideais republicanos lhe vieram a custar o exílio, ocupou-se do capítulo relativo à expansão portuguesa na História de Portugal de Damião Peres (1928-1954), incluindo a integração dos mestiços nos quadros da administração colonial entre as causas da decadência do Império do Oriente. Também a História da Expansão Portuguesa no Mundo (1937), dirigida por António Baião, Hernâni Cidade e Manuel Múrias, contou com a escrita de Duarte Leite e Veiga Simão. Só após a II Guerra Mundial se viriam a acentuar as clivagens, com a adesão de intelectuais e historiadores a um discurso oficial reelaborado no quadro das teses do lusotropicalismo, que começavam a suscitar o interesse político nacional.
Raros historiadores como António Sérgio e Vitorino Magalhães Godinho aspiravam a compreender o passado nacional e imperial à luz de uma história universal e comparativa capaz de pôr em causa a retórica da glorificação das conquistas (Curto, “A memória dos descobrimentos, da expansão e do império colonial”, 2009). “Durante decénios (…) a autêntica história ultramarina desenvolveu-se sobretudo à margem das instituições e realizações oficiais, e até por elas coartada”, pois “vigorava o mito de um povo (…) que nunca se conspurcara pela avidez e pela crueldade; escondiam-se …. os documentos incómodos” e organizavam-se “a Exposição do Mundo Português em 1940 e as Comemorações Henriquinas de 1960 [que] pouco serviram o progresso da investigação histórica e as visões inovadoras destes processos tão decisivos na formação do mundo (…). Ocultavam-se os processos económicos, sociais e culturais da expansão oceânica. Não interessava a história como indagação da busca da verdade, reduziam-na a retórica comemorativista e justificadora da «grandeza» imperial” (Godinho, Mito e mercadoria…, 1990, 13-14).