A História de Angola de Francisco Castelbranco, publicada em Luanda em 1932, revelou-se mais fluida, descritiva e ‘africanizada’. Este autor, que pertencia à pequena burguesia angolana mestiça, também não possuía uma formação de historiador. Consciente das dificuldades, das fragilidades e das insuficiências do seu trabalho, mas considerando urgente a tarefa de proporcionar «o meio de se conhecer a História de Angola» (1932, Prefácio), o autor não hesitou em proceder ao inventário dos conhecimentos, avançando para a organização, em 22 capítulos sem preocupações metodológicas, de uma história angolana, arrastando os africanos, mesmo se pela mão paternalista e fraterna do herói português, para a linha da frente do seu discurso escrito. Se a sua escrita se caracterizou por um pendor demasiado descritivo e nunca suficientemente analítico, Francisco Castelbranco revelou uma importante massa de informações e pôs em evidência a importância dos africanos na fabricação da sua história, associando-os aos acontecimentos provocados pelas intervenções portuguesas. Ao arrepio da maior parte das histórias de Angola, o autor procurou registar os grandes factos angolanos num plano idêntico aos acontecimentos portugueses e internacionais, preocupando-se também com as questões consideradas ‘menores’ pela historiografia portuguesa - os quotidianos dos angolanos e as situações locais que marcavam as suas vidas como epidemias, crises de seca, fomes -, não esquecendo o exercício da autoridade administrativa, as tropas portuguesas e angolanas, as melhorias introduzidas como a construção dos caminhos-de-ferro, a colonização branca, a situação económica, as finanças da colónia, para falarmos apenas de questões do século XX (1932, 255-256).
Apesar de todas as falhas metodológicas, esta história de Angola possui o mérito de procurar abrir aos africanos um espaço autónomo no interior da sua própria história, rejeitando a ideia da passividade africana nos processos de transformação histórica, que marcava a historiografia portuguesa sobre os Outros. Neste século XXI, a historiografia portuguesa que conheceu grandes avanços em temáticas da história de Portugal silenciadas pelo Estado Novo, não pôde ou não soube ainda proceder a uma sistemática ‘descolonização’ da reflexão histórica consagrada à questão colonial nas suas mais complexas dimensões, a uma valorização sem preconceitos da história dos povos colonizados e a um reconhecimento da importância desses povos para a renovação da história portuguesa.