Esta certeza ideológica caracterizou as escolhas políticas portuguesas durante as operações de guerra que marcaram os últimos anos de Oitocentos prolongando-se no século XX. Apresentadas como indispensáveis à valorização dos territórios, o que simultaneamente permitia e justificava a criação das condições necessárias à «missão civilizadora», as guerras eram o último recurso dos “ portugueses [que] só as fizeram aos naturais de África quando para ela foram impelidos pelas suas [dos africanos] arremetidas ou quando a guerra se tornava indispensável para lhes arrancar concessões a que obstinadamente se recusavam e de que carecíamos absolutamente, como a de um trânsito pelos seus domínios, exploração de minas e outras” (Botelho, Diferenças essenciais na génese de Angola e Moçambique...,1938, 9-10).
Nesta mitologia, as guerras coloniais eram pois a confirmação incontornável da selvajaria dos africanos, que os heróis portugueses enfrentavam com as «serenidade, altivez e confiança» (Lavradio, 1936, in Alexandre, Origens do colonialismo português…, 1979, 10) reveladoras “da obra imortal do génio colonizador” português (Galvão, “O passado e o presente da colónia (de Angola)”, Boletim Geral das Colónias, s.l., nº126,1935, 7).
Estas quatro ‘verdades históricas’ intervieram de forma constante e estruturante na construção do discurso historiográfico, sendo a última a que melhor esclarecia as escolhas portuguesas, pois continha os elementos mais significativos da visão portuguesa, destinada a apreender as normas que deviam gerir o tecido relacional, definindo a espessura das relações entre portugueses e africanos. Se as teorias do lusotropicalismo vieram a desempenhar em meados de Novecentos um papel fundamental na justificação teórica da vocação colonial portuguesa, a ideia de continuidade histórica reformulou-se em torno da impossibilidade de uma história com rupturas, porque resultava ela desta vocação do povo português, quer dizer, de um sentimento nacional que se furtava ao domínio da contingência histórica (Caetano, Tradições, Princípios e Métodos…, 1951, 26; Leal, O Colonialismo dos Anticolonialistas,1961, 42-43).