As segunda e terceira ‘verdades históricas’ recuperavam o mito da «presença multissecular» em África, dos direitos adquiridos e da não-legitimidade das pretensões europeias sobre territórios historicamente portugueses, associado à tão portuguesa «vocação colonial». A escrita da história colonial centrava-se assim num palco africano marcado pelos múltiplos conflitos dos portugueses com as demais potências europeias, que culminaram, depois da Conferência de Berlim (1884-85) com o Ultimato inglês de 1890, golpe inaceitável na «soberania» portuguesa. A estratégia historiográfica portuguesa recorreu a uma panóplia de factos históricos para sublinhar não só a longa duração da instalação portuguesa e os consequentes «direitos históricos», mas introduzir também a «missão civilizadora» e a «vocação colonial» portuguesa.
Se as viagens ao longo da costa africana e as expedições terrestres permitiam realçar os interesses científicos e a prioridade portuguesa na ocupação de posições para assegurar o controle das regiões e desenvolver uma política de influência junto dos chefes africanos, a fixação de importantes núcleos de população branca substituía os “selvagens” e fortalecia a soberania portuguesa nos territórios africanos para os transformar em autênticos espaços do “território nacional” (Rego, Idem, 1969, 7). As duas ‘verdades históricas’ funcionavam a nível interno para despertar o sentimento nacional relativo à África contra o usurpador europeu, ao mesmo tempo que fixavam a ideia da portugalização assente numa «vocação colonial», humanista e original. O tempo e a natureza singular dos portugueses tornaram-se o pilar da razão histórica da dominação colonial.
A quarta ‘verdade histórica’ sublinhava a «hegemonia» portuguesa nas relações com os africanos, expoliados das suas terras ancestrais, pois era o Estado colonial legítimo que assegurava a organização e a gestão do espaço. A ideia de «hegemonia» funcionava em duas direcções: por um lado, dirigia-se aos outros colonizadores europeus, para dar conta da “ completa hegemonia portuguesa na África Tropical”, resultado “ da grande Missão Histórica que Portugal tem de cumprir” (Norton de Mattos, Memórias e Trabalhos da minha vida, III, 1944, 364), mas por outro, pretendia ela sublinhar a orientação e o controle português indiscutível e indispensável nas relações estabelecidas com os africanos.