Para Silva Rego, as decisões da Conferência de Berlim haviam perturbado a soberania portuguesa, introduzindo mudanças negativas nas relações que Portugal, “país suserano”, mantinha, graças aos “acordos de vassalagem”, com os chefes africanos, alimentando os conflitos entre “sobas profundamente divididos entre si por rivalidades tribais” e revoltando-os contra a autoridade portuguesa, “o único cimento que ia, lentamente, trabalhando a unidade angolana”, introduzindo em Angola “a ordem e a disciplina”, a “civilização e o progresso” (O Ultramar..., 1969,XX,247-250).
Seria impossível ignorar a História de Angola de Ralph Delgado (1948) devido à sua importância na historiografia portuguesa consagrada a Angola. Redigida em Benguela como um monumento triunfalista destinado a celebrar os valores do tricentenário da restauração da colónia, esta obra pretende debruçar-se sobre as derrotas angolanas perante o génio militar português. Delgado dedica-a ao pai, o primeiro administrador do Bié, cujo sentimento nacionalista não podia deixar de exaltar (1948, I, «Dedicatória»). A lição ideológica é transparente: só uma dupla capilaridade, associando o familiar e o nacional português – os valores angolanos não passavam de uma variável menor desta situação –, permitia dar conta de um passado mobilizado para justificar o futuro.
Ralph Delgado não podia deixar de propôr uma periodização histórica lusocêntrica, que se iniciava em 1472, com o “descobrimento”, desenvolvendo-se depois em torno do tráfico negreiro, “ da conquista e condomínio luso-flamengo”, das relações económicas com o Brasil, caracterizando-se, entre 1836 e 1918, pela “abolição da escravatura, a ocupação definitiva do território e o início do aproveitamento das fontes de riqueza”; o último período (sem termo) “de 1918 a ?” ocupava-se do estudo da “expansão económica e administrativa, transformação social e caminhada para a criação de um estado português de grande amplitude” (p. II). A visão da história branca de uma Angola branca remetia os africanos para um não-espaço histórico, confirmado pela leitura preconceituosa das dinâmicas sociais, políticas, religiosas de uma das estruturas nacionais angolanas mais organizadas, antes do aparecimento dos portugueses: o reino do Kongo, que designa como “país de negros sem baptismo, (…) com todos os sinais de uma organização tribal”, evidenciando uma «selvajaria» instalada na longa duração. Já os valores positivos pertenciam todos aos portugueses “portadores de uma civilização urbana e caídos abruptamente nesta sociedade primitiva [que] desejam transformar”, impondo o progresso e a mudança civilizadora (1948, II-III).