Durante um longo século, que se estendeu das décadas finais de Oitocentos ao último quartel do século XX, as mudanças políticas profundas, as complexidades doutrinárias e filosóficas, as conflitualidades nacionais e internacionais, as violentas divergências políticas, sociais, profissionais de figuras nacionais relevantes coexistiram com esta mitologia, não abalando mas sim reforçando uma unidade teórica e ideológica do país em torno dos valores e dos projectos coloniais portugueses.
Muito diversas foram as personalidades que participaram nesta construção ideológica plurifacetada. Desde Oliveira Martins, autor de uma reflexão vigorosa sobre a construção da nação portuguesa, membro do Instituto de Antropologia de Paris e certamente o representante mais brilhante do darwinismo social em Portugal, aos republicanos Norton de Matos e Ferreira Diniz, até aos obreiros e agentes do Estado Novo, como Armindo Monteiro, Salazar, Adriano Moreira ou àqueles que lutavam contra a ditadura como Henrique Galvão e Cunha Leal, muitos foram os que contribuíram com as suas competências específicas para consolidar a negatividade do colonizado e a força civilizadora do colonizador, procedendo ao enquadramento da produção do conhecimento. “Os chamados «indígenas civilizados» (…) como todos os sociólogos colonialistas têm reconhecido, não passam (…) de arremedos grotescos de homens brancos.
Salvo raras excepções (…), o «indígena civilizado» conserva a mentalidade do primitivo, mal encoberta pelo fraseado, gestos e indumentaria, copiados do europeu”, afirmava Vicente Ferreira (“Alguns aspectos da política indígena de Angola”, 1946, 220), antigo governador de Angola, exprimindo a leitura colectiva portuguesa dos africanos, que se apoiava na convicção de uma diferença cultural reforçada por uma herança genética singular, que nem o estatuto de assimilado podia alterar.