Personagens mais ou menos insignes, das esferas das armas e da governação às da ciência e da cultura, elas nunca foram outras que não aquelas dignas de “consagração” e de “lembrança”, como, já bem avançada a centúria, Oliveira Marques diria sobre “as grandes (e as pequenas) personalidades” do século XX cujo perfil urgiria traçar. Mas essa abertura ao domínio da criação e do intelecto, correlata da entrada progressiva na história de grupos sociais menos habituados a honras de retrato, veio alargar o universo dos biografáveis e, com ele, o das formas de intervenção nos processos históricos, para lá dos limites estreitos da historiografia mais convencional. (O. Marques, Afonso Costa, 1972: 17-18)
Por outro lado, as variações sobre a tese voluntarista, ou a contraposta assunção da prevalência do meio sobre o indivíduo, multiplicaram-se ao ritmo da produção biográfica. Esta circunstância, deve dizer-se, é, antes de mais, empírica. Não promoveu a historiografia portuguesa, até há poucos anos e com excepções muito localizadas, uma verdadeira reflexão de fundo seja sobre a representatividade do objecto biográfico seja sobre os limites, ou a liberdade, da acção humana. Apenas as décadas finais do século XIX (e mais tarde, por extensão ideológica, o período do Estado Novo), sob o influxo ora das teses positivistas ora daquelas, não necessariamente contraditórias, defendidas por autores como Thomas Carlyle e Ralph Waldo Emerson, assistiram a tentativas mais consistentes de elaborar uma teoria explicativa da intervenção do indivíduo na história. E mesmo então, pesem embora os textos – alguns tornados de referência – de Alexandre Herculano, Pinheiro Chagas, José Silvestre Ribeiro, Silva Graça, Oliveira Martins ou, acima de tudo, Teófilo Braga, é difícil distinguir, na grande maioria dos exercícios biográficos da altura, clareza teórica ou profundidade argumentativa que os sustivesse num presumível debate sobre a agência humana. Quer isto dizer que, na prática, e ao longo de todo o período aqui contemplado, o eclectismo foi marca constante do género, a figura retratada aparecendo mais ou menos condicionada pelas circunstâncias envolventes, mais ou menos capaz de intervir sobre o “meio social”.