Neste movimento de abertura convergiram formações e interesses opostos, entre os quais, significativamente, os daqueles que melhor representaram o movimento de especialização da história. Que, em meados da centúria, a redacção da biografia da actriz Emília das Neves, à data ainda no activo, tivesse sido disputada por Almeida Garrett, Rebelo da Silva, Júlio Machado, Latino Coelho e António Feliciano de Castilho, é sugestivo desse clima de permuta e partilha de interesses e referências que só o terreno da divulgação poderia propiciar. Mas, também, e acima de tudo, da naturalização de uma concepção do tempo histórico de que o retrato de vida, antes de outros géneros, dava sinal: uma concepção que poderíamos chamar presentista, seja na espessura temporal que antecipadamente se descobria no percurso de figuras contemporâneas ou do passado muito recente – assim as erguendo a monumento –, seja na actualização da obra e dos feitos de grandes vultos do passado mais remoto, participantes activos, por via biográfica, no debate político hodierno. Essa espécie de comunhão entre passado e presente, que desde logo se detecta no modo comum como um mesmo autor traça os perfis de personagens de antanho e do seu próprio tempo, era ditada por duas noções que dominaram o panorama intelectual português durante a maior parte do século XIX e do seguinte: a de nação, entidade meta-histórica para a qual convergiam acções passadas e presentes, e a de grande homem – que aqui nos interessa –, conceito que, por menos restrito que o de herói, alargava os critérios que determinavam quem mereceria honras de retrato. (L. Câmara Leme, Emilia das Neves, 1875, p.5; A.F. Castilho, “Emilia das Neves e Sousa”, 1860, pp.197-99)
Pela sujeição a esses denominadores comuns, como pela forma essencialmente semelhante como se abordaram, e julgaram, actores passados e presentes, não é possível destrinçar os passos dados pela biografia histórica em particular daqueles dados pelo género biográfico em geral (leia-se, pela literatura dedicada ao retrato de homens insignes). Foi, de resto, a atenção crescente à história próxima, quando não, em rigor, contemporânea, que sobretudo promoveu o encontro entre a academia e o grande público e assim, em larga medida, determinou o percurso e o sucesso da historiografia biográfica de Oitocentos. Essa atracção pela contemporaneidade não foi sempre preponderante.