1. “Varões insignes”. Esse modelo ideal de biografia, ou o modo mais tradicionalista de a escrever, não foi, obviamente, uma criação ex nihilo ou sequer o resultado de uma série de ensaios que visasse refinar um modo próprio de relatar uma história singular. No caso português, como noutros, esse modelo, ou o género biográfico em geral, entronca sem pudor metódico de raiz na literatura panegírica, desde aquela hagiográfica até à cronística, ou mesmo aos retratos de vida insertos em sermões e outros textos comemorativos, como os elogios fúnebres. Que essa dimensão encomiástica (ou, por vezes, o seu oposto) tenha logrado persistir até aos nossos dias, especialmente naquelas obras viradas para a popularização, é apenas sinal da fácil adequação do registo biográfico ao exercício do juízo de valor próprio da história-tribunal, mais ou mais limitado por regras de boa prática historiográfica, mais ou menos submetido a circunstâncias políticas ou intuitos propagandísticos.
Assim com a historiografia biográfica de Antigo Regime, no tom laudatório e na escolha de figuras cimeiras, ditas exemplares, como objecto de estudo e via preferencial de representação da história nacional. Por altura da fundação da Academia Real das Ciências (aqui, ACL), a história era ainda, predominantemente – como bem notava Herculano –, a das dinastias, dos reis (ou, a espaços, das rainhas) e dos grandes, de resto como algumas décadas antes havia sido institucionalizado com a chancela da fugaz Academia Real da História Portuguesa (ARHP); e o tipo dominante de autor – assim se justificando que entre os insignes biografados se contabilizassem, com relevo, aqueles com percurso religioso ou, maxime, os heróis santos – o “historiador-eclesiástico”, à vez servidor da Casa reinante e membro do Clero. Casava bem com a busca de favor um género que, por concentrado em percursos particulares, fazia do elogio a trave mestra do discurso.
Uma das mais citadas obras biográficas do período, os Elogios do Reis de Portugal (1785), expressivamente dedicada ao primogénito da família real, pertence exactamente a um desses homens, canonista, teólogo e membro da Real Mesa Censória, António Pereira de Figueiredo.