Não foram muitos os que, como O. Martins, se notabilizaram no domínio da biografia como exercício literário, ou arte da ressurreição, fosse por a rejeitarem em matéria de princípio, fosse pelo papel que a erudição desempenhava nos seus interesses e actividade. Mas na clara preferência que votaram ao género, sobretudo espelhada nos volumes de maior fôlego, era quase por igual manifesta uma concepção pedagogizadora e moralizante assente na ideia da biografia como terreno de eleição da história ou desta, à moda de Carlyle e de Emerson, como colecção de biografias. Vários foram os que, como vimos, antes mesmo da inegável influência exercida pelas obras de O. Martins, se entregaram com sucesso à escrita biográfica, cultivando-a como género preferencial: Pinheiro Chagas, Teófilo Braga, Rebelo da Silva, Latino Coelho ou Luciano Cordeiro. Todos eles, à sua maneira, discípulos de Plutarco e de Cícero, utilizando as histórias de vida como meio de moralização politicamente activa, mas também, provavelmente, todos eles, ou a sua maioria, conhecedores das teses individualistas então em voga. (O. Martins, Os filhos de D. João I, [1891], p.8; P. Chagas, “Historia de Julio Cezar...”, 1864; T. Braga, Os centenarios como synthese affectiva..., 1884, p.181)
Quer T. Carlyle (1841) quer R.W. Emerson (1850) já haviam por essa altura publicado as suas obras maiores sobre a função dos grandes homens (“heroes” no primeiro, “representative men” no segundo), conquanto as edições portuguesas só tivessem sido projectadas na centúria seguinte, significativamente parte do programa de instrução cívica da Renascença Portuguesa. Da história da humanidade haviam eles dito resumir-se à história dos seus grandes homens, como assim mesmo fará Luís de Magalhães no prefácio aos Perfis de O. Martins ou, várias décadas mais tarde, Mário Gonçalves Viana, um dos porta-vozes de serviço do regime salazarista. Que a ideologia estado-novista tenha transformado a asserção em doutrina terá sido o corolário lógico do percurso seguido pelas teses voluntaristas durante o período conturbado que antecedeu e se seguiu à implantação da República. Não sem a sua própria dose de eclectismo filosófico (a obra de Nietzsche sobre o Übermensch saía no mesmo ano), traduzia-se, em 1913, Representative Men de R.W. Emerson, sob o sugestivo título de Os Super-homens. Estava aplanado o caminho para a nova vaga biográfica que viria a ocupar historiadores e curiosos durante uma parte substancial do século XX. (Álvaro Ribeiro, “Apresentação”, [1956], pp.10-11; L. Magalhães, op. cit., p.ii; M.G. Viana, “Ensaio preambular”, 1944, p.17)