O panorama da escrita da história, em geral, e daquela biográfica, em particular, veio, no entanto, a sofrer alteração profunda por uma segunda circunstância, não apenas exterior ao circuito mais restrito da academia, como em muitos sentidos responsável pela abertura da historiografia – especialmente sob a forma acessível da história de vida – a um público mais lato que o da Corte e do Clero. António Pereira de Figueiredo havia redigido os seus Elogios... em português e latim, na ambição de que a obra viesse a circular fora de portas. Nela não é, contudo, possível vislumbrar um propósito de divulgação que hoje, fora do ambiente da academia, é intersticial ao próprio género biográfico.
Os primeiros sinais de convulsão política e social no século XIX vêm, no entanto, e paulatinamente, modificar o cenário. É verdade que uma parte do debate sobre a legitimidade régia e de regime – entenda-se, daquela que assentou sobre argumentos históricos – se continuou a fazer no interior dos circuitos letrados, especialmente sob a forma do elogio. Mas, cada vez mais, e pela via do confronto, a literatura biográfica não só era arma política, como apontava a um conjunto de leitores que não apenas o das elites no poder. (A.P. Figueiredo, op. cit., p.1)
Os Retratos, e elogios dos varões, e donas, que ilustraram a nação portuguesa... (1817), da autoria quase exclusiva do instrutor régio Pedro José Figueiredo, são, a esse respeito, sintomáticos: publicados sob a forma de folhetos entre a primeira e a segunda décadas da centúria, ilustrados e assumidamente redigidos num estilo claro que facilitasse a sua compreensão, não apenas se dirigiam de um modo abrangente aos “portugueses” (entendidos como os “cidadãos”, no sentido clássico do termo), como alargavam de um modo significativo o leque de personagens retratáveis. Não eram já os elogios tão-somente de monarcas, mas os elogios, traduzidos em exempla, de “varões” e “donas” insignes da nação, ainda que o predomínio de membros do Alto Clero e da Realeza configurasse um discurso de moralização – explicitamente moldado nas Vidas de Plutarco – profundamente conservador.
Não foi caso único no seu tempo, é certo. Pela mesma altura, e sob formato semelhante (mas com textos, ou epítomes, de muito menor dimensão), saíam a lume, por exemplo, os Retratos dos grandes homens da nação portuguesa, editados pelo espanhol Antonio Patrício Pinto Rodrigues.