Por um lado, o uso quase indiscriminado das noções de herói e de grande homem, conquanto à primeira se referissem acima de tudo os homens de armas e à segunda o cada vez mais dominante benfeitor da humanidade (entre estadistas e homens de letras, artes ou ciências), apontava para a prevalência consensual do critério de excepcionalidade, ou de superioridade, na selecção dos protagonistas da história, muito para além de considerações sobre os limites que se poderiam ou não reconhecer à sua acção; por outro, e como decurso lógico, dominava um acordo de facto, e em termos gerais, sobre a sua concepção (simultânea ou mesmo intermutável) enquanto síntese, símbolo, representante ou intérprete do todo nacional no seu devir histórico. Por beberem sem distinção de partida no idealismo romântico, sobretudo por via francesa, pouco foi de facto o que separou neste domínio as teses voluntarista da sociológica ou mesmo da providencialista, pese embora a maior influência atribuída ora aos percursos individuais (como nos grandes retratos de O. Martins) ora ao “meio social” (como insistia Teófilo) sobre a marcha histórica.
Ainda que com correcção de excessos – o que explica as críticas de Consiglieri Pedroso e Emídio Garcia à teoria da escolha divina, ou de alguns positivistas e republicanos à hiper-subjectivação de certas narrativas –, o papel de destaque conferido às grandes personalidades, o reconhecimento da sua relevância no desenrolar dos processos históricos, foi praticamente unânime entre os muitos que, no meio historiográfico, se dedicaram à biografia (ou a ela recorreram para compor obras de síntese). É, neste sentido, tanto mais significativo que, mesmo entre aqueles tocados pelas teses deterministas, a consciência da eficácia do retrato de vida junto de um público maioritariamente iletrado se tenha, com frequência, sobreposto aos relatos despersonalizados: como no caso do positivista Zeferino Cândido, em que são as grandes figuras quem fornece os títulos aos capítulos de Portugal (S. Campos Matos, “História, positivismo e função dos grandes homens”, 1992, e Historiografia e memória nacional, 1998, pp.395-401, 409-28; F. Catroga, “O magistério da história e a exemplaridade do ‘grande homem’”, 2004; A.M. Hespanha, “A história na cultura portuguesa contemporânea”, 2009, pp.585-86).
Esta consciência, que era também a da imaginação e do sentimento como principais vias de atracção das massas anónimas, foi traduzida de forma diversa pelos autores que se dedicaram à escrita biográfica.