A colecção de Figueiredo, contudo, não só juntava às tradicionais figuras da Realeza, das armas e da religião outras oriundas das esferas das ciências e das artes, como reservava ao género feminino uma atenção invulgar, embora não inédita, em obras do mesmo tipo. (H.M. Samyn, “Retratos de donas”, 2013)
O impulso que o género biográfico veio a sofrer pouco depois da viragem do século XIX partiu quer da acelerada mutação dos critérios que presidiam à selecção das personagens biografáveis, quer de uma reelaboração do registo panegírico que sempre prevalecera. Não que este tenha desaparecido; antes, alimentou-se, em grande medida, de uma consciência nova do uso do espaço público e das potencialidades encerradas num determinado discurso sobre o passado (nem sempre remoto), de que a eleição dos seus mais dignos representantes determinaria o sentido. Que, também aqui, os representantes autorizados da legitimidade e da memória do regime e da Casa reinante, na ACL como na universidade, tenham tido um papel a desempenhar não será inusitado. Faltava ainda muito para que os terrenos da erudição e da divulgação, ou da propaganda, se distinguissem com alguma nitidez. Em plena Guerra Peninsular, o futuro arcebispo e lente da Universidade de Coimbra, Fr. Fortunato de S. Boaventura, fazia publicar na Impressão Régia uma série de breves retratos dedicados a registar para a posteridade o nome e os feitos daqueles que nela mais se distinguiriam. Discurso projectivo, destinado a inscrever na história, que ainda o não era, acções presentes e futuras, fazia do modelo do elogio a referência mais próxima de um modo de biografar politicamente comprometido e intensamente praticado ao longo das muitas décadas que se seguiriam. Volumes de escassas dezenas de páginas, as “notícias biográficas” de Wellington, Beresford, Trant ou do General Silveira anunciavam, do lado conservador da barricada, o novo fôlego que, pelas mãos de académicos e curiosos de outras paragens, já adentrado o século, o género viria a ganhar.
2. “Grandes homens vulgares”. A biografia conhece, de facto, na centúria de Oitocentos o seu primeiro momento de verdadeira expansão, em termos do alargamento do número de executantes como do aumento exponencial da sua procura.