Quer por constituir um objecto difícil de enquadrar, com linhas demasiado esbatidas, quer pela proverbial aversão do meio historiográfico português a exercícios auto-reflexivos, a biografia histórica só raramente mereceu a atenção enquanto objecto que a sua relevância prática justificaria. Essas contribuições, apesar de pontuais, não deixam contudo de ser significativas, em especial da alteração de estatuto que o género sofreu durante a centúria de Oitocentos. Dessa, aliás, é desde logo testemunho o debate – localizado, reconheça-se – que a escrita biográfica concitou no final do século, muito à custa da obra de Oliveira Martins e daqueles que adoptaram e discutiram as teses positivistas. Nesses anos concentra-se uma fatia importante da muito escassa reflexão teórica em torno da escrita biográfica no país, sempre exercício mais prático que reflexivo. Mas a tomada de consciência da singularidade do género, e das suas implicações, estava inaugurada.
É verdade que as primeiras avaliações do volume de produção biográfica foram tendencialmente negativas, embora reflectindo mais preocupações e ansiedades em campos particulares do que uma observação demorada. Pinheiro Chagas, por exemplo, lamentava, acima de tudo, a falta de “biografias universais” que preservassem e honrassem a memória dos “homens ilustres” da nação, como mais tarde se queixaria da escassez de textos memorialísticos que servissem de base ao trabalho do historiador – mas não sem ressalvar o facto de nunca como no seu tempo se ter dado à prensa tantas notícias e apontamentos biográficos, naquilo a que chamou um “delírio de minuciosidades”.
Chagas opunha aqui, enquanto executante do género, a obra conscienciosa e crítica, mais própria do circuito académico em que ele próprio também se moveu, aos textos especialmente desenhados para satisfazer os apetites mais prosaicos do ‘grande’ público. A crescente actividade dos seus contemporâneos na arte de biografar ficava, ainda assim, atestada – e não esmoreceu nos tempos que se seguiram. Dominaram-na sempre, porém, os “grandes vultos” da história nacional, como, de resto, às biografias de recorte mais tradicionalista competia.